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Blogue da BE/CRE da Escola Secundária/3 Dr. Flávio F. Pinto Resende

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

LI E RECOMENDO …

Memorial do Convento, de José Saramago

Foi, salvo erro, na noite de 24 de Dezembro de 83 ou 84 que, ao rasgar um papel vermelho com folhas de azevinho verdes, me deparei com o título Memorial do Convento . Acabei de desembrulhar a prenda e, segurando com a mão esquerda a lombada do livro, o polegar direito deslizou sobre as páginas como se avaliasse o conteúdo da obra. De Saramago, eu conhecia as crónicas e pouco mais. Durante meses - talvez anos - aquele livro ficou na estante. Até que... Comecei a ler: " D. João, quinto do nome na tabela real, irá esta noite ao quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não emprenhou. Já se murmura na corte, dentro e fora do palácio, que a rainha, provavelmente, tem a madre seca, insinuação muito resguardada de orelhas e bocas delatoras..." e já não consegui parar, presa a uma visão crítica e irreverente do reinado de D. João V, em que o narrador entrelaça personagens e acontecimentos verídicos com seres engenhosamente conseguidos pela ficção. Assim, surgem, perspectivados pelo olhar crítico do narrador - atento e sarcástico - um D. João V inseguro, insensível e megalómano, obcecado pela ostentação e pela construção do Convento de Mafra; uma rainha submissa e ansiosa por procriar e que, em sonhos - apenas em sonhos - se envolve com o cunhado, D. Francisco; Bartolomeu de Gusmão, o padre inconformista e inconformado, inventor da Passarola Voadora que, desafiando o poder religioso - a Inquisição! - concretiza o seu corajoso projecto de voar; um par de apaixonados: Blimunda, mulher capaz de ver o interior das pessoas e das coisas, e Baltazar, soldado maneta, "despedido" da guerra por já não "servir". Há também o Povo, ingénuo, indefeso, ignorante, oprimido e sofrido, maltratado e miserável... Mas o que mais me fascina, nesta obra, é a intenção de interferência do passado com o presente: a História torna-se matéria simbólica para reflectir sobre o presente, numa perspectiva de denúncia e grito de revolta.

Clara Barreto

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